O IBGE mostra que em metade dos lares não existe mais o modelo clássico, com pai, mãe e filhos do mesmo casamento
PAULA PEREIRa
O álbum de família moderno requer legendas cada vez mais encorpadas para explicar quem é quem. O retrato atual não reflete mais o modelo clássico, composto de pai, mãe e filhos de um mesmo casamento. Aquele que parece ser o pai é o padrasto; a moça com uma criança no colo não é a mãe, mas uma meia-irmã; os três jovens que dividem o mesmo teto são um casal e uma amiga; e aquela que parecia ser a mãe pode ser na verdade a namorada dela.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar uma nova análise dos dados do último censo. Ela confirma a mudança, na prática, do conceito de família: atualmente, 47% dos domicílios organizam-se de formas nas quais no mínimo um dos pais está ausente. Há gente morando sozinha, avós ou tios criando netos, casais sem filhos, ''produções independentes'' e outras tantas alternativas. Algumas são tipicamente modernas, como os grupos de amigos que decidem morar juntos para dividir um apartamento grande, no estilo do seriado americano Friends - e não se trata, no caso, de estudantes de orçamento apertado, mas de adultos com trabalho fixo e contracheque. Outras situações, de temporárias, acabam virando definitivas - como o homem que se separa da mulher e volta a morar com os pais, ''apenas por alguns dias''. ''Embora o modelo nuclear ainda seja maioria, cresce a incidência de novos arranjos'', atesta Ana Lúcia Sabóia, chefe da Divisão de Indicadores Sociais do IBGE.
Na última década, o número de famílias - de qualquer espécie - cresceu duas vezes mais que a população como um todo, embora o número de divórcios tenha triplicado e o de casamentos de papel passado diminuído 12%. Essa aparente contradição sugere que há cada vez mais gente formando famílias a partir de novas bases.Há um desmembramento do que antes era uma única unidade familiar e também mais gente optando por formatos menos tradicionais. Especialistas no assunto explicam que, longe de andar em baixa, a instituição familiar está se adaptando aos novos tempos, assumindo um perfil mais centrado na qualidade das relações entre as pessoas e no desejo de cada indivíduo.
A hierarquia, a obediência e o formalismo que caracterizavam a família no passado deram lugar a uma relativa igualdade e respeito entre todos os integrantes. Mulher e filhos conquistaram espaço e direito a voz, que antes eram exclusivos dos homens. Estes, por sua vez, sentem-se menos obrigados a exercer o pesado papel do provedor. Tanto que, no Novo Código Civil, a expressão pátrio poder foi substituída por poder familiar, que pode ser exercido por ambos os sexos.
Esse novo formato, somado às contingências econômicas de hoje, transformou a família em um refúgio mais atraente do que nunca, a ponto de os filhos permanecerem muito mais tempo na casa dos pais e, em alguns casos, até voltarem para lá depois de uma separação ou um revés financeiro. ''Atualmente, um quarto dos lares brasileiros reúne três gerações, geralmente sustentadas pelos parentes mais velhos'', afirma Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entram nessa conta desde grupos de baixa renda dependentes da aposentadoria de um idoso até núcleos de classe média alta nos quais os pais bancam filhos que não alcançaram a independência. Aparentemente insignificante, esse dado tem força para mexer nas estruturas: o ciclo familiar se expande, empurrando adiante a fronteira da terceira idade, já que os pais ficam ativos afetiva e financeiramente por mais anos.
Mais do que pelos laços de sangue ou pela obrigação, as uniões agora são definidas pelo afeto. ''Até a metade do século passado, a relação consanguínea era extremamente forte na constituição da família. Hoje as relações amorosas passaram a ser o valor mais importante'', explica a antropóloga Lia Zanotta Machado, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade de Brasília (UnB). As famílias antes se organizavam muito em torno do trabalho e do patrimônio: os mais pobres, por exemplo, se casavam e tinham filhos que ajudavam na lavoura, enquanto os mais abastados arranjavam uniões que somassem riqueza.
O PERFIL DA FAMÍLIA Evolução da constituição familiar na última década - em % | |||||
1992 | |||||
Outros tipos
| Unipessoal | Casal sem filhos | Mulheres sem cônjuge com filhos | Casal com filhos | |
5,2
| 7,3 | 12,9 | 15,1 | 59,4 | |
1999 | |||||
Outros tipos
| Unipessoal | Casal sem filhos | Mulheres sem cônjuge com filhos | Casal com filhos | |
5,8
| 8,6 | 13,6 | 17,1 | 55,0 | |
2001 | |||||
Outros tipos
| Unipessoal | Casal sem filhos | Mulheres sem cônjuge com filhos | Casal com filhos | |
5,9
| 9,2 | 13,8 | 17,8 | 53,3 | |
Fonte: IBGE
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